Sabia que nos tempos áureos dos descobrimentos, a moeda portuguesa
foi, à semelhança do dólar nos dias que correm, padrão dos mercados
internacionais e que foi reproduzida pelos países do norte, como forma
de ganharem estatuto junto dos reis do Oriente? E que o primeiro banco
português estava no… Brasil? Numa altura em que o Banco de Portugal
prepara um novo museu do dinheiro, o Saldo Positivo foi visitar a atual
exposição, ainda sediada no edifício central da instituição,
denominada ”O Dinheiro no Ocidente Peninsular: do Artigo Padrão ao Euro”
e esteve à conversa com António Vitorino, técnico de museologia do
Banco de Portugal.
Uma visita ao museu é o equivalente a uma lição de história
condensada em apenas uma hora, por aqui encontra-se não só a evolução da
moeda ao longo dos tempos, no mundo e em Portugal, mas também uma
caracterização da altura em que ainda não havia dinheiro e as trocas
eram feitas através de artigos padrão.
Desde estes tempos, muita coisa mudou. “O que existe hoje é uma forma
de desenvolvimento civilizacional que nos distingue dos animais
irracionais”, explica António Vitorino. O primeiro passo deu-se com a
agricultura, que permitiu a proliferação de objetos transformados e
recurso a alimentos que permitissem a dedicação a outras atividades que
não a procura de comida. Durante centenas de anos, os objetos eram
utilizados como dinheiro em transações. Os artigos padrão tinham de ter
um valor e características de conservação que facilitavam a sua
utilização.
A primeira moeda

A primeira moeda, da Lídia
A primeira moeda remonta ao século VII antes de Cristo (a.C) e
apareceu no Reino da Lídia, onde hoje é a Turquia. A moeda nasce da
“transformação do metal usado pelos comerciantes nas trocas que se
efetuavam no Próximo Oriente, na região da Mesopotâmia e Egipto, que o
Rei da Lídia mandou marcar com o seu símbolo. São marcas de poder
natural”, explica António Vitorino.
Rapidamente, a técnica espalhou-se primeiro aos gregos e depois os
romanos. “Foi no período romano que as moedas começaram a ser utilizadas
genericamente no ocidente. As moedas na Lídia, mesmo na Grécia, eram
usadas por um número restrito de pessoas e foram os romanos que
expandiram a cunhagem, que aprenderam a fazer com melhor qualidade do
que os gregos”. A moeda foi o instrumento que facilitou as trocas num
império que abrangia várias regiões à volta do mediterrâneo, como a
Península Ibérica, onde já existiam trocas com objetos com valor
diverso.
Chega a moeda à Península Ibérica…
Os romanos desembarcaram em 218 a.C na Península Ibérica e por cá
reinaram durante quase dois séculos. Foram os responsáveis pelo
desenvolvimento da indústria, das estradas e pontes, ajudaram a
desenvolver o comércio e espalharam a moeda pela zona. “A qualidade
técnica dos artistas era espantosa. Eram imagens belas, que contribuíram
para a sustentação do império e a sua pacificação sob o espetro dos
exércitos romanos e inspiração de feitos artísticos e arquitetónicos
através da própria moeda”.
Com a queda do império romano, foram os suedos e visigodos que por cá
reinaram. Consequentemente, as moedas começaram a ser menos imponentes,
pois eram feitas por artífices locais.
A moeda em Portugal

Morabitino
É durante o século XII que Portugal consegue a sua independência, o
que implica a cunhagem da própria moeda. “Neste período houve um voltar
à predominância das trocas diretas através de artigos padrão, não
existia apenas a moeda e a que havia não era tão forte como nos tempos
dos romanos”. A primeira moeda de ouro surge no reinado de D. Sancho I: o
morabitino. “Há uma inspiração muito direta da moeda árabe. As quinas
são um desenvolvimento da cruz dos cruzados cristãos, que se opunham aos
mouros, aos infiéis”.
No geral, durante a primeira dinastia, as moedas eram de fraco valor,
em liga de prata e cobre. As moedas de ouro eram de prestígio e a maior
parte das usadas nas cidades portuguesas eram de baixo valor. Mais
tarde, com o desenvolvimento de mercados e feiras, começou a aparecer
mais moeda de prata e há referência a cambiadores, livranças e outros
meios relacionados com as trocas, mas as trocas monetárias eram de fraco
valor. “Em relação aos cunhos das moedas, nota-se a dificuldade técnica
em representar o retrato”, prossegue o especialista.
Com os descobrimentos veio o ouro…

Ceitil
A chegada de D. João I ao trono deu início a uma nova dinastia: a de
Avis e começa um ciclo de expansão. “No início do período dos
descobrimentos, surge uma moeda para comemorar a conquista de Ceuta, em
1415, e que toma o nome de Ceitil, que representa as torres da fortaleza
de Ceuta. Isto veio abrir as portas da costa africana aos navios
portugueses. A partir daí, do comércio nas costas de África e do ouro
africano, vamos ter ouro que permite cunhar moedas para o comércio com o
Oriente”.
No reinado de D. Manuel surgiu o português de ouro, uma moeda que
pesava 35,5 gramas e que refletia o poder do País no apogeu da glória.
Esta moeda foi adotada como moeda padrão dos mercados internacionais, de
tal forma que no Norte da Europa foram cunhadas moedas à sua
semelhança: os Portugalösers. “Eram moedas de grande prestígio para o
grande comércio da China, da Índia, do Oriente e, como era uma moeda de
enorme valor, só eram usadas por quem tinha bastante poder. Outras
cidades e reinos da Europa que competiam com Portugal no comércio com o
Oriente, como a Flandres ou Hamburgo, queriam impressionar os reis
locais e uma das maneiras de o fazer era através desta moeda”. Foi a
partir do reinado de D. Manuel que o valor do padrão passou a ser o
Real. Até então, as moedas eram designadas por “dinheiro”.
Com o desaparecimento de D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir,
Portugal ficou à beira de uma crise de sucessão. Foi a altura em que
Filipe II de Espanha foi reconhecido como rei de Portugal. “Nesta fase,
as moedas mantiveram o estilo das anteriores”.
Primeira moeda cunhada à máquina

Moeda de D. João V
Uma vez tendo sido restaurada a independência de Portugal, D. João IV
subiu ao trono. Nesta altura era comum o cerceamento da moeda (é uma
prática em que se retira a parte de metal e depois se recoloca em
circulação com menos valor), por isso D. Pedro II inicia a cunhagem por
balancé. “Foi isto que permitiu uma regularidade da moeda, que resolveu o
problema de roubo do metal à moeda. Com o balancé, as moedas passam a
ser feitas à máquina. Começou a haver maior produção e de maior
qualidade”.
Mais tarde, com o ouro do Brasil, se fez a moeda de D. João V. “Aqui
começa a haver uma representação do retrato do rei e do casal real, que
já tem uma qualidade técnica e artística comparável à dos tempos do
império romano”.
É nesta dinastia, em 1796 no reinado de D. Maria I, que aparecem as
primeiras formas de papel moeda. Estas circulavam pelo seu valor nominal
e funcionava como um empréstimo forçado ao estado.
A primeira nota

Pataca
Por esta altura já estamos no século XVIII. Com as invasões
francesas, dá-se a fuga dos Reis para o Brasil e é em terras de Vera
Cruz que abre a primeira instituição bancária do País – o Banco do
Brasil. É também de lá que, por volta de 1810, surgem as primeiras
notas portuguesas emitidas pelo Banco do Brasil. A par das primeiras
notas, começam também a circular moedas de menos valor, em bronze, de
seu nome patacas.
“Os descobrimentos foram o despoletar do comércio internacional,
portanto o desenvolvimento da burguesia na Europa tem grandes
consequências na utilização do padrão monetário e depois no aparecimento
dos bancos”, explica o técnico de museologia do Banco de Portugal. O
primeiro banco criado foi em Estocolmo, mas brevemente a família real
volta para Portugal e abre o primeiro banco português no continente: o
Banco de Lisboa.
O primeiro banco português

Prova para a primeira nota de 19$200 do Banco de Lisboa
Com a revolução liberal, a família real regressa a Portugal e em 1821
é criado o primeiro banco português no continente: o Banco de Lisboa.
As primeiras notas são impressas de um só lado, só têm uma cor e cada
uma delas era assinada à mão por dois diretores do banco. As
falsificações deram mote à complexificação das notas, impressas dos dois
lados e a cor. Mais tarde, até o papel começou a ser fabricado pelos
próprios bancos.
Estava também prestes a bater à porta uma grande crise económica e a
primeira bancarrota de um banco nacional. Uma das características do
Banco de Lisboa era a convertibilidade das notas, “o banco tinha de
estar sempre em condições para trocar o papel das notas que emitia por
metal precioso”, diz António Vitorino. Pois em 1846 este processo foi
interrompido e a instituição entra em bancarrota, na sequência de
emissões em resposta a solicitações do Estado, que não tinham cobertura.
Esta bancarrota deu lugar a uma crise financeira que se resolveu com a
criação do Banco de Portugal. A pouco e pouco a situação foi-se
resolvendo. Mais tarde, houve um período de condições políticas para um
período de desenvolvimento económico, de educação e da indústria: o
Fontismo. Este período de crescimento deu lugar à criação de bancos no
norte do País. “Todos os bancos eram comerciais, constituídos por
sócios. A emissão de notas era aprovada pelas cortes e os bancos tinham
exclusividade de emissão nas suas zonas”.
Do escudo ao euro

Euro
Depois da implantação da República, a unidade monetária passou para o
escudo. O fato de a produção das notas ser moroso e custoso, fez com
que não houvesse condições para substituir todas as notas. Esta mudança
demorou cerca de 20 anos. A população continuou a usar notas de Reis,
com o carimbo do Banco de Portugal, que fazia a conversão para a nova
unidade monetária.
A reforma monetária de 1931 definiu as características do novo escudo
e atribuiu ao Banco de Portugal a responsabilidade de assegurar a
estabilidade do valor da moeda portuguesa. Das emissões do Estado Novo
saíram algumas moedas em cobre e alumínio, como o Marcelino que, diziam
as pessoas, sopravam e voava.
Após o 25 de Abril, o Banco de Portugal é nacionalizado e tem o
estatuto de empresa pública. Em 1999, Portugal integra o grupo de países
fundadores da Zona Euro e em 2002 o Euro entra em vigor. Esta mudança
ainda está fresca na cabeça de muitas pessoas e, ao contrário do que
aconteceu na passagem do Real para o Escudo, foi uma transição bem mais
rápida. Até ao final de 2002 ainda era possível trocar moedas de escudo
por moedas de euro, já o período para troca de notas é maior e para
algumas notas estende-se até 2022 (outras notas, como as de 100 ou
algumas 5000 escudos já não é possível – veja
aqui
as notas ainda não prescritas). Por isso, se ainda tem escudos em casa
que pretenda trocar mas não consiga, uma boa opção é olhar para essas
moedas e notas como um investimento, pois nunca se sabe se não poderá
fazer negócio e engordar a sua conta bancária, nomeadamente através de
leilões. Se esta hipótese o deixa curioso, comece por espreitar os
sites de leilões
online, como o
leilões.net, para ver preços. Não se esqueça que o que hoje é uma velharia, amanhã poderá render dinheiro.
in saldopositivo.cgd.pt