Quando alguém morre, o seu
património é transmitido aos
herdeiros. A lei fixa a
sucessão de bens e direitos, mas também das
dívidas.
Por exemplo, o crédito da casa onde o falecido habitava. Se não tiver
seguro de vida, a herança servirá para liquidá-lo, nem que, para tal,
seja necessário vender a casa.
Existem ainda as despesas relacionadas com o
funeral e os atos religiosos, o
testamento, a
administração e a
liquidação do património
do falecido. Quando se pretende deixar a herança aos herdeiros
legítimos, não é preciso fazer testamento. Mas para beneficiar mais
alguém deve expressar a sua vontade por escrito. É também o meio
adequado para reconhecer uma dívida, substituir um testamento anterior,
perfilhar ou
deserdar
e nomear um tutor para um filho menor (substituto dos pais, caso estes
morram), fixar legados ou indicar substitutos para os herdeiros, caso
estes não possam ou não queiram aceitar a herança. O testamento permite
ainda determinar o tipo de cerimónia fúnebre, entre outras.
Com e sem testamento
O mais comum é não haver testamento e os bens serem divididos pelos
herdeiros legítimos. São eles, pela ordem de classes sucessórias:
cônjuge e descendentes, cônjuge e ascendentes, irmãos e seus
descendentes, outros parentes na linha colateral até ao 4.º grau e o
Estado.
Os herdeiros mais chegados ao falecido são os primeiros a ser chamados à
sucessão,
excluindo o direito de herdar dos mais afastados. Se, por exemplo, o
falecido deixar cônjuge e filhos ou só estes últimos, os seus pais não
serão chamados à sucessão. Se não deixar filhos, mas os pais
sobreviverem, os seus irmãos não herdarão e assim sucessivamente. Dentro
de cada classe, os parentes mais próximos têm prioridade. Ou seja, os
pais excluem os avós; os filhos afastam os netos e os parentes de 3.º
grau impedem os de 4.º grau de receber algum bem. Se não sobreviver
nenhum parente, o
herdeiro passa a ser o Estado.
Para
beneficiar outras pessoas, deverá fazer um
testamento (também possível por convenção antenupcial). Mas não é livre
de distribuir os bens a seu bel-prazer. A lei protege o cônjuge, os
ascendentes e os descendentes (herdeiros legitimários), garantindo-lhes
uma quota do património. Trata-se da “
quota indisponível”
ou “legítima”, parte da herança que foge à livre disposição do seu
titular, e que varia consoante os herdeiros. Para calcular esta quota,
há que ter em conta o valor dos bens na data do óbito e dos doados, as
despesas sujeitas a colação (correspondem às doações feitas em vida a
descendentes que sejam herdeiros - e somente a eles - sendo somadas ao
quinhão da pessoa em causa) e as dívidas da herança. O capital
proveniente de um seguro de vida é exceção a estas regras, pois qualquer
pessoa pode ser beneficiário. É até possível que esse capital
ultrapasse o valor do património deixado em herança.
Aceitar ou repudiar
Ninguém é obrigado a aceitar uma herança. Mas esta decisão deve ser bem
ponderada. Embora as dívidas do falecido só sejam pagas até se esgotar o
valor correspondente ao da herança, o herdeiro poderá ter de provar aos
credores que já não há mais bens para saldá-las.
Mas, feitas as
provas, os herdeiros nada terão de
suportar, caso a herança seja insuficiente. Essa ponderação prende-se
com vários motivos, um dos quais a impossibilidade de voltar atrás na
decisão. Além disso, não pode aceitar uma parte dos bens e recusar
outra. Ao herdeiro está ainda vedada a possibilidade de impor condições
para a aceitação.
Quando se receia a confusão entre o património do autor da herança e o
do herdeiro, com a suspeita de muitas dívidas, é preferível aceitar a
partilha da herança
“a benefício de inventário". Em caso de conflito com eventuais
credores, terão de ser estes a provar que há mais bens na herança para
satisfazer os pagamentos. Caso contrário, terá de ser o herdeiro a
provar que já não existe património para pagar as dívidas.
Se, após o falecimento do autor da herança, passou a utilizar o
automóvel ou a residir na casa dele, entende-se que a aceitou. Trata-se
da “
aceitação tácita”. Mas esta também pode ser “
expressa”,
quando o beneficiário declara por escrito que é essa a sua intenção.
Para tal, basta enviar uma carta ao cabeça-de-casal ou ao testamenteiro
(representante do falecido). Este direito de aceitar ou repudiar os bens
caduca 10 anos após ter conhecimento de que é beneficiário da herança.
Mas o herdeiro poderá não querer os bens. Em certos casos, é até
aconselhável que o faça: se, por exemplo, souber que sobre a herança
pendem dívidas superiores ao património e não existir, no conjunto dos
bens, nenhum que lhe interesse. Ao contrário do que sucede na aceitação,
tem de manifestar o repúdio sempre por escrito e seguindo as regras
para a alienação da herança. Por outras palavras, se a herança contiver
bens imóveis, deve fazê-lo por escritura pública ou documento particular
autenticado. Para os bens móveis, basta assinar um documento
particular. Recusada a herança, o quinhão vago será disputado pelos
restantes herdeiros, privilegiando-se o “direito de representação”. Se,
por exemplo, o pai repudiou a herança do avô, o neto é chamado a
aceitá-la.
Partilhar a herança
Se houver consenso entre os herdeiros, a partilha pode ser
feita fora dos cartórios notariais, sem recurso ao processo de
inventário. No entanto, nos casos em que haja, da parte de algum
herdeiro, a aceitação a benefício de inventário (significa que, antes de
aceitar a herança, o herdeiro quer que seja feito um inventário com
tudo o que a compõe: bens e dívidas), este torna-se obrigatório. Também
quando existam herdeiros menores, é natural que o Ministério Público,
para salvaguarda dos interesses destes, requeira a abertura de
inventário. Nestas situações ou naquelas em que falte acordo quanto à
partilha dos bens, segue-se o processo de inventário num cartório
notarial. Se, então, acabarem por chegar a acordo na distribuição dos
bens, os herdeiros nem precisam de licitar os bens que integram a
herança. Caso contrário, ainda no processo de inventário, os herdeiros
devem licitar os bens, isoladamente ou em lotes. A licitação segue o
procedimento típico de um leilão. Quem oferecer mais dinheiro, garante o
bem para si, sendo que o valor final integra o “bolo” a distribuir por
cada herdeiro.
A partilha pode ser impugnada, por exemplo, se incidiu sobre bens que
não faziam parte da herança. Neste caso, o beneficiário a quem foram
distribuídos os bens alheios é indemnizado pelos restantes na proporção
dos quinhões recebidos. Sempre que, durante o inventário, surjam
questões que, pela sua natureza ou complexidade, não devam ser decididas
nesse processo, o notário determina a sua suspensão, remetendo a
questão para o tribunal.
Gerir o património
Muitas heranças exigem uma gestão cuidada até à partilha. Basta pensar
numa empresa que fica sem o seu responsável. Esta tarefa é da
responsabilidade do cabeça-de-casal, que será, pela seguinte ordem:
- o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e
bens, se for herdeiro ou tiver direito a metade dos bens do casal
(meação);
- o testamenteiro, salvo declaração do falecido em contrário;
- os parentes, desde que herdeiros legais. A atribuição é feita ao
mais próximo. E, depois, ao que vivia com o falecido há, pelo menos, um
ano;
- os herdeiros testamentários. Se o património foi todo
distribuído em legados, o cargo pertencerá ao legatário mais
beneficiado. Trata-se daquele que sucede em bens determinados (por
exemplo, uma coleção de moedas), e não em partes do património. Em
igualdade de circunstâncias, o mais velho.
Se nenhum dos herdeiros quiser esta responsabilidade, é preferível entregar a
administração da herança a outra pessoa (mesmo que não seja herdeiro), mas tem de haver
unanimidade.
Caso contrário, o tribunal terá de designar um dos herdeiros. Só em
condições especiais o herdeiro designado poderá recusar o cargo. Por
exemplo, se tiver mais de 70 anos ou uma doença que impossibilite tais
funções.
Caso se sinta lesado com a atuação do
cabeça-de-casal e
pretenda afastá-lo, solicite-o no processo de inventário (o Ministério
Público poderá tomar a iniciativa, caso tenha intervenção principal).
Terá de alegar e provar uma das seguintes situações:
- o cabeça-de-casal oculta bens ou doações feitas pelo falecido e/ou indica doações ou encargos inexistentes;
- administração do património hereditário sem prudência nem zelo;
- revela incompetência para o exercício do cargo.
Contar bens doados
Nem em vida, o autor da sucessão pode alterar em absoluto as
regras de distribuição da herança. Por isso, a lei obriga a que o
montante correspondente a doações feitas a descendentes, e somente a
eles, seja somado ao quinhão da pessoa em causa (a chamada “
colação”).
Se o total prejudicar a quota dos restantes herdeiros legitimários,
poderá ser reduzido. Assim, presume-se que o falecido pretendia apenas
adiantar-lhe uma parte dos bens e não beneficiá-lo em detrimento dos
outros herdeiros.
A colação só não se aplica a despesas com casamentos, prestação de alimentos e ajuda num negócio, por exemplo.
A colação pode ser dispensada pelo doador no ato da doação ou
posteriormente. De resto, a colação presume-se sempre dispensada na
entrega em mão de um bem, sem documentos a formalizá-la (impossível para
uma casa, entre outros que exigem registo). O mesmo é válido para
pagamentos de serviços e bens doados que tenham desaparecido em vida do
proprietário por um motivo alheio à sua responsabilidade.