Irmãos que deixam de falar-se. Discussões que separam familiares para o resto da vida. Tudo por causa da partilha de uma herança. Todos nós conhecemos histórias de famílias que ficaram desavindas por questões relacionadas com a divisão de bens. Mas como podem resolver-se conflitos desta natureza e garantir que as relações pessoais e familiares não ficam beliscadas por causa de uma herança?
Foi exactamente para responder a esta questão que o Saldo Positivo falou com Beatriz Valério, especialista em direito da família e das sucessões da sociedade de advogados PRA -Raposo; Sá Miranda & Associados. “Não havendo acordo entre os herdeiros sobre a partilha dos bens, o mais adequado é o processo de inventário”, explica a advogada. Trata-se de um processo que é iniciado e tramitado no cartório notarial da área da última residência habitual da pessoa falecida e que pode ser requerido por qualquer um dos herdeiros.
Será nomeado um cabeça-de-casal que vai ter de indicar quem são os herdeiros e quais são os bens a partilhar. Depois, os herdeiros são chamados a pronunciarem-se sobre esses mesmos bens. Se os herdeiros não estiverem de acordo com o valor dos bens poderão ser nomeados peritos para fazer essa avaliação.
O processo de inventário prevê ainda a realização de duas conferências (uma conferência preparatória e uma conferência de interessados) para determinar a composição dos quinhões (ou seja a percentagem que cada pessoa vai receber daquela herança), de acordo com as regras do Código Civil.
Se ao longo das diversas fases do processo de inventário, os herdeiros não chegarem a um acordo, há ainda outras possibilidades: “Se não chegarem a acordo sobre a divisão dos bens, os herdeiros podem vender o património a terceiros e dividir entre si o produto da venda. Podem também recorrer a sorteios ou fazer licitações”, explica a especialista da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, que adianta ser necessário o acordo de uma maioria de dois terços para aprovação das deliberações.
O que pode uma pessoa fazer em vida para evitar conflitos sobre a partilha dos seus bens após a sua morte?
A melhor forma de evitar o surgimento de problemas relacionados com a divisão de bens de uma herança é o planeamento em vida. E neste sentido, Beatriz Valério destaca dois instrumentos que poderão ajudar os cidadãos a fazerem esse planeamento sucessório: o testamento e as doações em vida. Veja como funciona cada um deles.1. Testamento:
Um testamento é um documento onde demonstramos as nossas vontades e fazemos uma possibilidade de divisão de património. Para ser considerado válido, o testamento tem de ser feito pelo próprio num notário e na presença de duas testemunhas.Beatriz Valério refere que “o testamento é um instrumento importante e que devia ser mais divulgado”. A especialista em Direito da família adianta que, ao contrário do que se pensa, esta não é uma ferramenta utilizada apenas por pessoas mais idosas. “Há pessoas novas que vão viajar ou trabalhar para um país de risco, ou ainda ser sujeitas a uma intervenção cirúrgica e querem certificar-se de que caso alguma coisa lhes aconteça o futuro dos seus filhos está assegurado. E, por isso, para além da indicação da forma como a divisão dos bens deve ser feita, podem beneficiar um herdeiro, ou constituírem outro(s) herdeiro(s), com ou sem condições e ainda indicarem quem ficará a exercer as responsabilidades parentais”.
No entanto, é importante lembrar que nem sempre as vontades demonstradas pelo autor do testamento podem ser cumpridas após a sua morte. “Tudo aquilo que é contrário à lei num testamento é considerado nulo”, adianta a advogada. Na verdade, artigo nº 2186 do Código Civil refere isso mesmo: “É nula a disposição testamentária quando da interpretação do testamento resulte que foi essencialmente determinada por um fim contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”.
Ou seja, se uma pessoa fizer um testamento e quiser excluir da sua herança um filho, à partida, não o poderá fazer. Isto acontece porque o Código Civil estabelece uma quota legitima da herança, que pertence aos herdeiros legítimos, e sobre a qual o autor do testamento não pode dispor livremente. Sendo um filho, um herdeiro legítimo, ele não poderá ser excluído da herança. A única excepção a esta regra está contemplada no artigo nº 2166 do Código Civil e que se refere à possibilidade de deserdação de um herdeiro legítimo no caso de o herdeiro ter sido condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente (desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão); ou ter sido condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas.
Como funciona a quota legítima e a quota disponível?
Quando existem herdeiros legitimários – como é o caso do cônjuge, descendentes e ascendentes – uma pessoa apenas pode dispor e decidir livremente sobre uma parcela dos seus bens. Esta parcela é a chamada quota disponível. Já os restantes bens, que se referem à parte que o cidadão não pode dispor, são a quota legítima, destinada aos herdeiros legitimários. O valor destas duas quotas depende do número e da natureza dos herdeiros. A saber:
– Se o único herdeiro legitimário for o cônjuge, a quota legítima é de metade da herança, sendo a quota disponível os restantes 50% da herança.
– Se os herdeiros legitimários forem o cônjuge e os filhos, a quota legítima é de dois terços da herança, sendo a quota disponível um terço da herança.
– Não havendo cônjuge sobrevivo, a quota legítima dos filhos é de metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais.
– Se não existirem descendentes, mas existir um cônjuge e ascendentes, a quota legítima é de dois terços da herança, sendo a quota disponível de um terço.
Quando existem herdeiros legitimários – como é o caso do cônjuge, descendentes e ascendentes – uma pessoa apenas pode dispor e decidir livremente sobre uma parcela dos seus bens. Esta parcela é a chamada quota disponível. Já os restantes bens, que se referem à parte que o cidadão não pode dispor, são a quota legítima, destinada aos herdeiros legitimários. O valor destas duas quotas depende do número e da natureza dos herdeiros. A saber:
– Se o único herdeiro legitimário for o cônjuge, a quota legítima é de metade da herança, sendo a quota disponível os restantes 50% da herança.
– Se os herdeiros legitimários forem o cônjuge e os filhos, a quota legítima é de dois terços da herança, sendo a quota disponível um terço da herança.
– Não havendo cônjuge sobrevivo, a quota legítima dos filhos é de metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais.
– Se não existirem descendentes, mas existir um cônjuge e ascendentes, a quota legítima é de dois terços da herança, sendo a quota disponível de um terço.
Se os herdeiros tiverem dúvidas sobre a existência ou não de um testamento, a conservatória dos registos centrais tem uma base de dados onde estão os registos de todos os testamentos que existem. Basta dirigirem-se a esta central, com o assento de óbito e requerer a localização do testamento. Os herdeiros podem ter acesso não só do último testamento mas também aos anteriores e às revogações dos vários testamentos que a pessoa fez ao longo da vida.
2. Doações em vida:
Este mecanismo permite a uma pessoa definir em vida quem fica com um ou mais bens do seu património. “Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”, é possível ler-se no artigo nº 940 do Código Civil. Ou seja, um pai com dois filhos e duas casas pode doar a casa x ao filho 1 e a casa y ao filho 2. Este processo de doação em vida é feito por escritura pública de doação.No entanto, Beatriz Valério salienta que a doação em vida pode não ser 100% exequível; já que as doações não podem sobrepor-se às regras previstas no Código Civil. E explica com um exemplo: “Imagine o caso de um casal que tem duas casas e vários filhos. Eles podem decidir doar em vida uma casa a um dos filhos, reservando o usufruto da habitação, enquanto o casal for vivo. Mas tudo isto pode não ser exequível, se à data da morte, aparecerem mais bens ou menos bens e mais herdeiros ou menos herdeiros. Porque à data da doação, a casa em questão constitui um décimo da herança. Mas após a morte, pode verificar-se que naquele momento aquela casa afinal constitui metade da herança. E como tal, excede completamente a quota legítima que aquele filho tinha direito. Este filho vai ter de dar uma percentagem da casa para repor o quinhão hereditário dos seus irmãos”. Ou seja, a doação não é anulada, mas o filho que a recebeu pode ter de compensar os restantes irmãos, para que estes recebam o valor correspondente à sua quota legítima.
in saldopositivo.cgd.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.